Você pode estranhar, mas o problema é real: um gás que está na sua geladeira e no seu ar-condicionado é um dos responsáveis por deixar as temperaturas do nosso planeta cada vez mais altas. Conhecida há anos, a ironia do composto chamado HFC ser responsável pelo resfriamento e ao mesmo tempo virar um vilão para o aquecimento global tem explicação. O lado bom é que este gás deve ser banido em breve.
O problema com o HFC, grupo de gases que contém hidrogênio em sua fórmula, começou no Protocolo de Montreal, que baniu em 1987 o famoso CFC de objetos refrigeradores e aerossóis. À época, o CFC, com cloro, era temido por abrir um buraco gigante na camada de ozônio e causar o efeito estufa. Tanto é que neste ano já se notou que o buraco começou a diminuir. Mas a substituição do CFC pelo HFC acelerou um problema quase tão grande quanto: o aquecimento global.
“O HFC tem uma vantagem por não ter cloro, mas já se percebeu logo de cara que tinha outros problemas. Apesar do problema da camada de ozônio ser consertado, piorava o aquecimento. Na época, apesar de muitas críticas e objeções por ambientalistas, adotaram ele como um ‘gás de transição'”, relata ao UOL o físico Délcio Rodrigues, do Observatório do Clima, associação que envolve várias entidades ambientais.
Mas calma: o gás não é expelido ao meio ambiente cada vez que damos aquela famosa olhadinha na geladeira ‘para pensar’ e nem faz mal à saúde diretamente em nossas casas – ele fica isolado dentro de eletrodomésticos. O HFC é um problema por causa das emissões feitas pela indústria na produção de refrigeradores, ares-condicionados e de espuma para travesseiros, colchões e outros estofados, além de liberações causadas em reparos ou no descarte de eletrodomésticos que contêm o composto.
“Na hora da compra, o consumidor pode procurar no mercado nacional geladeiras com propano. Não existe em todos os modelos, mas têm vários já. Elas não são mais caras, são basicamente equivalentes”, ressalta Délcio. Na hora de jogar fora, o importante é não deixar em ferro-velho. “É bom procurar, as empresas, elas não disponibilizam essa informação facilmente, mas existem sistemas de recuperação para os gases. Então é bom o consumidor buscar a empresa e perguntar o que fazer para descartar.”
O perigo do HFC, inclusive, fica ainda mais claro ao comparar o gás com o CO2, maior responsável pelo aquecimento global. Segundo Rodrigues, uma molécula do HFC é capaz de segurar calor em uma proporção 40 mil vezes maior do que uma molécula do CO2. Ou seja: apesar de a liberação do CO2 ser infinitamente maior, a pequena liberação do HFC é muito potente e representa um perigo real.
Anime-se: em breve este gás deve sumir da sua casa
A pergunta que fica é: se já sabiam que o composto causava impactos, por que o Protocolo de Montreal não definiu logo um gás sem malefícios? A resposta envolve alguns pontos. Primeiro, o aquecimento não era tão preocupante em 1987 como agora. O mais importante, contudo, é que o HFC tem algumas semelhanças com o CFC e uma mudança brutal envolve o que todo país evita tocar: dinheiro.
Assim como o CFC, o HFC é um composto neutro e pouco reagente – e pior, criado por empresas químicas que fazem lobby para seguir ganhando dinheiro com patentes. Os substitutos principais são gases naturais e baratos, entre eles o propano (para objetos pequenos) e amônia (a nível industrial). O problema com o propano, por exemplo, é que ele é inflamável e sua combustão eliminaria CO2.Toda a indústria precisaria ser reformulada, algo que pode custar entre US$ 8 bilhões e US$ 10 bilhões.
Mas, como ambos os substitutos têm bem menos impactos ambientais do que o HFC, e os países firmaram um importante acordo em Paris para a redução do aquecimento global, a expectativa é que o HFC seja proibido em um encontro global que será realizado em Kigali, em Ruanda.
“Após sete anos de negociação, acredita-se que seja possível chegar a um acordo na próxima reunião. Atualmente existem quatro propostas de emenda ao Protocolo, uma apresentada por Estados Unidos, Canadá e México; outra pela União Europeia; outra pela Índia e outra pelos países insulares do Pacífico”, explica Magna Luduvice, gerente de proteção da camada de ozônio no Ministério do Meio Ambiente.
O Brasil, assim como outros países emergentes, exige financiamento das grandes nações para a ação. Até por isso, a tendência é que a indústria de refrigeradores e outras que usam gás HFC sejam a favor das mudanças, pois poderiam modernizar suas fábricas com investimentos do fundo. Ainda segundo Luduvice, a indústria tem participado “ativamente” das discussões e já percebeu que não pode mais utilizar compostos com impactos ambientais. Na União Europeia, por exemplo, as empresas já quase não usam mais o HFC.
Fonte: UOL
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