Por Douglas Belchior
Sim, eu desejo um feliz ano novo para nós.
Gente ranzinza ou crítica, de esquerda ou de direita ou mesmo pessoas de olhar despretensioso, mas sincero, com razão poderiam dizer: “Feliz ano novo pra quem? 2017 será terrível!”
Os interesses e as crises do capital financeiro promoverão mais arrocho de direitos e opressão em todo o planeta. Países com maior poderio econômico e bélico ampliarão suas ações e povos inteiros continuarão alvo de guerras e êxodos forçados.
No Brasil, o governo golpista de Michel Temer, em conluio com um Congresso composto por uma maioria de canalhas, parte do judiciário e a mídia hegemônica confirmarão reformas que retirarão direitos sociais historicamente conquistados pelo nosso povo.
Se Temer cair, algum outro cumprirá as tarefas em nome do capital.
O desemprego aumentará. Com ele a pobreza e a violência. O Estado, como resposta, aprofundará seu projeto genocida. Suas polícias continuarão prendendo, torturando e matando pretos, pretas e pobres, todos os dias.
Os ricos lucrarão. Os pobres empobrecerão, ainda mais. A violência civil tende a se generalizar. Crimes de ódio serão ainda mais comuns. Negros, mulheres e gays serão mortos. E os que tentarem os proteger também. Crianças pobres e negras sofrerão com tudo isso, em dobro.
E se as previsões são tão terríveis, como desejar ‘Feliz Ano Novo’?
Respondo: É exatamente por isso que os desejos de felicidade são importantes e ganham ainda mais sentido.
Desejo, do latim desiderium (a etimologia da palavra desejo quer dizer desaparecimento do astro e logo – imagino – a vontade de reencontrá-lo), no Aurélio se define pelo ato ou efeito de desejar, vontade de possuir ou de gozar, anseio, aspiração, cobiça, ambição; vontade de comer e beber, apetite sexual.
Praticado pelo viés da satisfação individual ou de pequenos grupos – como bem a História nos mostra -, o resultado é o mundo como está, um desastre. Mas vivido e exercitado a partir da satisfação das necessidades da coletividade e da sociedade como um todo, seria então, o desejo, a busca pela dignidade de todos.
Já a ideia de felicidade é objeto de muitos pensadores. Freud defende que todo indivíduo é movido pela busca da felicidade. Para Aristóteles, a felicidade diz respeito ao equilíbrio e a harmonia da prática do bem. Para o também grego Epico, a felicidade ocorre através da satisfação dos desejos. Aqui caberia refletir sobre quais os valores e os desejos levam as pessoas a se sentirem felizes nos tempos de hoje. Nesse sentido, o desafio seria disputar o conceito de felicidade. O que é ser feliz? Consumir, possuir, enriquecer para si e ostentar para o mundo? Ou produzir e distribuir as riquezas a partir de critérios justos e humanos?
Eu traduziria: Comer bem, morar bem, vestir bem e gozar dos prazeres da vida – os coletivos e os individuais; Estudar e se formar; Trabalhar e receber o justo; Consumir o suficiente; Oportunidade de plantar e o direito de colher; Viajar, se aventurar, experimentar; Beber e fumar para se sentir bem, mas sem vício; transar, trepar, fazer sexo e amor, muito, sempre, com cuidado e respeito; Engravidar e acolher, mas ter o direto de recusar; Professar toda fé, batizar ou não, e ser respeitado na escolha; Ter o direito de amar, conviver, construir, a partir de todas as escolhas, opções e orientações; Viver mais e melhor; Sorrir mais que chorar, gozar mais que sofrer. E se respeitar.
Desejar um feliz ano novo é reafirmar nossos compromissos históricos com um fazer, com uma prática, com uma atuação que busca, logo deseja, uma sociedade justa e igualitária, logo a felicidade.
A luta política e social por um mundo justo, livre de racismo, machismo, e todas as fobias e preconceitos é, na prática, um grande e coletivo desejo de felicidade.
Acreditando assim, desejo a todos nós um feliz ano novo.
E muito Asè para nossas vidas!
Fonte: Carta Capital
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