quinta-feira, 2 de julho de 2015

Multicampeão de surf, cearense resgata vidas com projeto social no Pirambu


Nas ondas do bem

O escritório dele é a praia. Seu território é o Pirambu. Sua laia é surfar. Com 50 anos de vida e 40 de parafina, Marcelo Ferro Vasconcelos Alves ou simplesmente “Marcelo Bibita” começou a fabricar suas próprias pranchas aos 20 anos de idade. De família humilde, o jovem desbravador das ondas da Praia de Iracema não tinha como comprar um equipamento novo e fazia arte com antigas pranchas para dar seus primeiros tubos.

Em pouco tempo, aquilo que era somente para benefício próprio começou a chamar atenção da vizinhança. “A princípio era apenas para meu uso, até que apareceram as primeiras encomendas e o que era apenas uma brincadeira foi crescendo e criei, junto a amigos, a Aqualoucos Surfboards. Uma marca que durou pelo menos uma década de muito sucesso e curtição”, relembra o shaper.

Aquele amor pelas ondas transformou Marcelo Bibita em um dos maiores surfistas do cenário brasileiro. Seis vezes campeão cearense e tricampeão nordestino de longboard além de ser o 1º recordista do surf na Pororoca – tradicional disputa nas águas do Rio Amazonas, exatamente no encontro do rio com o mar –, o cearense carrega consigo o dom de ajudar o próximo além de empreendedor nato.

Como quem trabalha Deus ajuda, em 2013, com a revitalização da Vila do Mar, área que compreende à parte do litoral de Fortaleza que banha o Pirambu, Barra do Ceará e o Cristo Redentor, o Instituto Camargo Corrêa (ICC) promoveu a criação de uma cooperativa para fomentar a produção de pranchas na região que compreende à maior favela do Ceará. E Marcelo Bibita estava lá.

A ação capacitou surfistas da região de vulnerabilidade social e viabilizou a construção da unidade da Cooperativa de Produção para Serviços de Surf (Coopsurf) no Pirambu. O nascimento e a formalização da cooperativa, bem como a construção da unidade de produção, fazem parte do projeto Onda Empreeendedora, parceria entre Instituto Camargo Corrêa, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Prefeitura de Fortaleza, Construtora Camargo Corrêa, Marquise, Sebrae/CE e o Sistema OCB/Sescoop. Os parceiros do projeto investiram também na construção de uma unidade de produção, compra de maquinários e equipamentos e formação de capital de giro. Ao todo, foram investidos cerca de R$ 850 mil.

Na Coopsurf, além de auxiliar na produção das pranchas, Marcelo dá aulas de surf para crianças e adolescentes. O projeto é tocado por todos os cooperados, cada um com sua responsabilidade visando o crescimento do grupo. Para continuar ajudando na transformação de moradores do Pirambu, o cearense usa sua bagagem e referências de outros lugares que visita durante competições de surf. “As competições são uma parte importante na minha vida profissional pois além da competição em si, existe toda uma cadeia produtiva em ebulição durante os eventos, este contato com os mais modernos equipamentos e com profissionais gabaritados me dão uma bagagem técnica que absolvo e trago para aplicar na cooperativa, portanto estas viagens acabam sendo apenas um trabalho externo em prol da Coopsurf”, diz o multicampeão das ondas.

Para tocar o projeto, a luta de Marcelo junto aos outros cooperados não é fácil. O Pirambu, apesar de ter avançado na questão da segurança e educação, ainda sofre com o descaso do poder público e amarga alguns estigmas. “A cobrança com a garotada tem que ser feita com muita cautela e conversa, muito destes garotos não tem o básico em casa, imagine discernimento. Cada jovem é trabalhado individualmente, cada caso é um caso, mas a grosso modo não aceitamos quem estiver envolvido deliberadamente com drogas, brigas, comportamentos inadequados e na medida do possível, insistimos para que fiquem na escola, o que graças a Deus estamos com praticamente 100% deles na sala de aula. Da minha parte gosto de ver a criançada esperta, longe das drogas, fazendo esporte, interagindo entre eles, ocupando seu tempo”.

Com 30 anos dedicados ao surf, Marcelo reforça que anda está aprendendo muito com a molecada do Pirambu. Transformar a realidade da sétima maior favela do Brasil é mais difícil que tirar uma nota máxima nas maiores ondas dos cinco oceanos. “Toda ação provoca uma reação, o bem propaga o bem, gentileza gera gentileza. A mudança é uma constante e longa estrada. Para conseguirmos a mudança que queremos, ainda há muito a ser feito. Não sei se conseguiremos mudar a realidade do Grande Pirambu, mas estamos tentando com muito surf e amor ajudar a mudar a realidade dos jovens que atendemos. Aprendi que mesmo já tendo feito muito com os jovens da comunidade podemos fazer ainda muito mais”, comenta Bibita.

Apesar das dificuldades, o resultado da dedicação do surfista e shaper cearense já é transformadora. “Talvez a maior recompensa seja ver que todo seu trabalho não foi ou é em vão, que muitos destes jovens só precisam de um pouco de carinho e oportunidade para seguir no caminho do bem”, finaliza.

(com informações da reportagem "Meu nome é favela" no Jornal Tribuna do Ceará)

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