O novo paradigma para o enfrentamento da insegurança no Ceará está sendo construído por uma mulher. Izolda Cela (Pros) é a responsável por juntar à mesa atores das diversas áreas do governo e outras instituições, públicas e privadas, para redesenhar responsabilidades, cobrar eficiência e tentar reverter comportamentos que jogam contra a coletividade. Ela inaugura a página dominical Aguanambi 282 falando sobre nossos medos e perspectivas.
O POVO – Com as redes sociais, a violência está mais dentro de casa. Nas últimas semanas, Fortaleza teve uma avalanche de flagrantes de assaltos compartilhada via WhatsApp. Qual a reação da senhora ao receber um vídeo desses?
Izolda Cela – A violência urbana não deixa de me surpreender. É uma coisa com a qual não podemos nos acostumar. Eu sempre entro em contato com isso com o sentimento de que não é normal. E também me perguntando a que ponto chegamos, como se permitiu que se chegasse a isso? Como deixamos as coisas chegarem num extremo desse? Não podemos banalizar e temos a condição de reverter. Não é nada fácil. É complexo por causa das múltiplas causas, dos contextos.
OP – A senhora traçaria um perfil dessa violência?
Izolda – De certa forma a violência entra num circuito em que há o extremo de uma ação violenta contra a vida, por exemplo. E outro, considerado menor, ligado a uma cultura de certo padrão de comportamento que atropela o direito do outro, que não respeita regras de convivência, que são contra a coletividade, que desrespeita o meio ambiente. Há aí uma gradação de gravidade entre um e outro circuito. Mas para enfrentar a violência, buscar um Ceará mais pacífico, temos de nos deparar, também, com esse tipo de comportamento. Uma coisa influencia a outra. Nós ainda temos níveis insuficientes de coletividade.
OP – Por causa da violência, a senhora mudou hábitos no dia a dia. Como, por exemplo, ter a “bolsa e o celular do ladrão”?
Izolda – Não chega a alguns comportamentos mais sistemáticos, mas mudei, me disciplinei mais. Não faço a linha apavorada, não é por aí. Mas eu tento ser atenta onde eu chego, pra onde vou. Eu tenho uma vida normal, mas presto atenção, observo. No início dos anos 1980, vim de Sobral para Fortaleza pra estudar. Nós tínhamos um trânsito muito tranquilo pela cidade. Tenho um amigo que morava no Henrique Jorge e frequentávamos muito a casa dele. Muitas vezes, à noite, esperávamos o Corujão para chegar à Aldeota. E isso era sem assombro. Agora, na calada da noite, estava se tecendo o desacerto que hoje experimentamos.
OP – De que maneira?
Izolda – Aqui e no Brasil, a população estava completamente apartada de direitos fundamentais. O analfabetismo grassava, o acesso à escola era difícil, a mortalidade infantil era altíssima... Esses indicadores mostravam a fragilidade do tecido social. Faltava cidadania para uma grande parcela da sociedade. E por que isso explode em comportamentos violentos e de maneira rápida?
OP – Mas isso não é uma contradição, já que esses índices, de certa forma, melhoraram?
Izolda – Outro dia eu estava ouvindo um especialista dizer que não havia contradição. A elevação aumenta também os desejos ligados a um tipo de valor e ideologia do consumo, do rápido. “Eu tenho que ter isso para poder ser gente”. Algumas imagens das pessoas que cometem crime, você vê ostentação. E essas imagens têm uma força na sociedade.
OP – A senhora já foi assaltada em Fortaleza?
Izolda - Fui, em 2008 ou 2009. Eu era secretária da Educação e estava voltando da Secretaria quando fui assaltada na Raul Barbosa já chegando à Pontes Vieira. Havia uma situação em que eles tinham rendido um carro e o motorista da Secretaria vacilou. Ele achou que era uma blitz e quando eles perceberam, fomos abordados com revólver.
OP – Qual a perspectiva de tempo traçada para se reverter a situação de insegurança em Fortaleza e no Interior do Ceará?
Izolda – Temos que considerar a qualificação do enfrentamento. Da ostensividade, da redução da impunidade, de maior eficiência dos inquéritos. Esses pontos respondem por certo nível da meta. No Ceará Pacífico, uma das construções é estabelecer meta de curto, médio e longo prazos. Com relação, por exemplo, a um indicador muito importante hoje que é o homicídio. É um indicador que está para a segurança como o analfabetismo está para a educação e a mortalidade infantil está para a saúde. São indicadores que mostram de forma mais dramática o tamanho do problema.
OP – Até aqui o Estado tem trabalhado no incentivo à ação policial com gratificação e redirecionamento do policiamento. No caso dos homicídios, as investigações são precárias e raramente se chegam à autoria. E, no processo, o governo não tem ingerência. Como resolver?
Izolda – A ideia do Ceará Pacífico é agregar, articular os parceiros. Os outros poderes e órgãos autônomos. Vamos construir uma agenda articulada e colocar os atores à mesa, sob o olhar de todo mundo. Uma agenda que já está sendo proposta pelo Judiciário são as audiências de custódia. Outro exemplo, que está sendo puxado pela Secretaria da Justiça, é a implantação de uma Apac (Associação de Proteção e Assistência a Condenados). É um tipo de presídio experimentado em Minas Gerais. Um presídio sem polícia, sem agente penitenciário, onde existe uma administração mas, na verdade, quem toma conta dos processos de convivência são eles (presos). Eles têm a chave, têm ocupação durante todo dia, de seis da manhã até dez da noite. Ocupações que dependem do regime que estão cumprindo. Eu visitei uma unidade em Itaúna, é uma coisa impressionante.
OP – Qual a responsabilidade da classe média e dos ricos de Fortaleza nesse novo pacto pela segurança?
Izolda – É muito importante que as pessoas possam desenvolver um sentimento de que estamos todos no mesmo barco. Tanto faz estar aqui ou na periferia. Se as coisas pioram é ruim para todo mundo. Agora, quem paga mais por essa conta não somos nós, é quem está lá na periferia. A sensação de insegurança é muito ruim, mexe com as emoções, mas é importante que comecemos a ter discursos não piegas sobre a mudança de comportamentos reativos em relação a esse apartado dos “ruins” de lá e nós aqui, que somos “vítimas”. E eles (os ruins) têm de ser destruídos. É muito atrasado esse discurso e é injusto.
Fonte: O Povo