domingo, 1 de novembro de 2015

Betinho, o 'irmão do Henfil', se levanta contra a fome e mobiliza o Brasil


Desde 1992 um grupo de profissionais de diferentes áreas que participava do Movimento pela Ética na Política pensava em propostas para mudar os números do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre a miséria no Brasil: 32 milhões (um quinto da população) eram considerados indigentes, ou seja, não dispunham de comida diária suficiente para repor suas energias. Surgiu então um movimento nacional, lançado em março de 1993, com o nome de Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, ou Campanha do Betinho, como ficou conhecida, graças a seu articulador, o sociólogo Herbert de Souza.

Betinho, imortalizado na voz de Elis Regina como o "irmão do Henfil", havia recusado o convite do presidente Itamar Franco para coordenar o Conselho de Segurança Alimentar (Consea), criado na mesma época a partir de uma proposta do Partido dos Trabalhadores (PT). O Consea funcionaria como um órgão suprapartidário, formado por oito ministros e 21 representantes da sociedade (entre eles Betinho, que aceitou participar dessa forma, e o arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara), para definir a curto prazo ações contra a fome. A presidência do conselho acabou ficando a cargo do bispo de Duque de Caxias, dom Mauro Morelli, também do grupo original da Ação da Cidadania.

A campanha se transformou num dos mais importantes movimentos sociais da História recente do país, mobilizando uma rede de solidariedade que se espalhava pelos estados. Nunca foi possível precisar o número de comitês - pesquisa do Ibope em 1994 concluiu que eram mais de 3 mil, enquanto mapeamento na 1ª Conferência de Segurança Alimentar, também em 94, apontou 5 mil.

Criticada por setores de esquerda, que consideravam a ação paliativa e até prejudicial à luta pela transformação estrutural da sociedade, o movimento sustentou-se no caráter emergencial da situação. Passados três anos, a mobilização não era a mesma, mas o movimento continuou, mesmo após a morte de Betinho, em 9 de agosto de 1997.

Cerca de 300 pessoas compareceram ao seu velório realizado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), no Centro. Entre elas, meninos de rua atendidos pela Fundação São Martinho e a primeira-dama, a antropóloga Ruth Cardoso. As cinzas de Herbert de Souza, nascido em 3 de novembro de 1935, em Bocaiúva (MG), foram espalhadas em seu sítio em Itatiaia, no Sul Fluminense, que ele chamava de "paraíso".

No final da ditadura instaurada em 1964, o exílio de Betinho, o irmão do cartunista Henfil, havia inspirado verso da letra da icônica canção “O bêbado e o equilibrista”, de Aldir Blanc e João Bosco. Gravada por Elis Regina, a música virou um hino de jovens e militantes da oposição ao regime militar que lutavam pela anistia, finalmente assinada, em 1979, por João Figueiredo, o último dos cinco generais que presidiram o país após o golpe de 64.

Fonte: O Globo

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