Na tarde de segunda-feira 7, o ex-ministro Eliseu Padilha concedeu uma entrevista na sede do PMDB, em Brasília, na qual procurou esclarecer os motivos de sua saída da Aviação Civil, anunciada na semana anterior. Padilha disse que iria se dedicar ao partido e afirmou que ele e o vice-presidente da República, Michel Temer, não iriam conspirar pelo impeachment de Dilma Rousseff. "Ninguém espere de Michel e de mim golpe. Não seremos parceiros de golpe nenhum, nunca", disse.
Na sequência, Padilha tentou explicar o que era até então o silêncio de Temer diante do impeachment. Segundo o ex-ministro, o PMDB está dividido sobre o apoio ou não a Dilma e Temer, como presidente do partido, deveria "recolher o sentimento do partido antes de posicionar". A impressão deixada pela frase era de que, caso o PMDB decidisse romper com o governo e abandonar o PT, Temer o faria.
A impressão foi reforçada de maneira categórica na noite da segunda-feira. Uma carta enviada por Temer a Dilma (leia a íntegra ao fim do texto) deixou claro que PT e PMDB estão em pé de guerra.
No texto, Temer expõe com clareza, em 11 pontos, sua mágoa com Dilma e com o núcleo duro do Planalto. O peemedebista afirma que no primeiro mandato foi um "vice decorativo"; que sempre trabalhou a favor do governo, mas recebeu em troca "desconfiança e menosprezo"; e elenca diversas reuniões e nomeações das quais foi excluído ou preterido.
No último e mais importante ponto, Temer faz uma dura acusação ao dizer que "o PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso".
Na sequência, Temer diz ter convicção de ele e o PMDB não têm e não terão a confiança de Dilma e adota a mesma linha argumentativa apresentada por Eliseu Padilha. "A senhora sabe que, como presidente do PMDB, devo manter cauteloso silêncio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária".
Pelo Twitter, a assessoria de imprensa de Temer negou que a carta signifique o seu desembarque do governo. "Ele rememorou fatos ocorridos nestes últimos cinco anos, mas somente sob a ótica do debate da confiança que deve permear a relação entre agentes públicos responsáveis pelo país", disse a assessoria. "Não propôs rompimento entre partidos ou com o governo. Exortou, pelo contrário, a reunificação do país, como já o tem feito em pronunciamentos anteriores".
Ainda que Temer e seus auxiliares neguem o que o governo enxerga como golpismo, a impressão passada pelas atitudes recentes do vice é diversa.
Temer x Planalto
Em entrevista ao jornalista Jorge Bastos Moreno, do jornal O Globo, Temer criticou os ministros Edinho Silva (Comunicação Social) e Jaques Wagner (Casa Civil) por atribuírem a ele "versões equivocadas" do último encontro entre ele e Dilma. "Eu havia sido comunicado pelo [presidente da Câmara] Eduardo Cunha que ele acolheria o pedido de impeachment. Reconheci seu direito de fazê-lo e depois o ministro Jaques Wagner colocou na minha boca a afirmação de que a decisão não tinha lastro jurídico", disse Temer. "Constrangido, tive que desmentí-lo. O acolhimento tem sim lastro jurídico."
A análise de Temer contradiz a estratégia do Planalto, que na segunda-feira reuniu uma série de juristas para questionar as bases jurídicas do pedido de impeachment.
No próprio PMDB, a atuação de Temer e de seus principais aliados é criticada. O PMDB do Rio de Janeiro é um dos principais focos de apoio a Dilma dentro do partido, graças a figuras como Leonardo Picciani (RJ), líder da sigla na Câmara e citado por Temer na carta, Eduardo Paes, prefeito do Rio, e Luiz Fernando Pezão, governador do Estado. Em entrevista ao jornal O Dia, Pezão criticou Temer de forma dura.
Para Pezão, Temer deveria "ser mais incisivo na defesa do mandato dos dois". "Adoro o Michel, mas eu não estou achando legal a postura dele nessa questão. Sinceramente, esse trabalho do Moreira Franco e do Eliseu Padilha não ajuda em nada o país", disse. "Vice é para ter atribuições para ajudar na governabilidade. Não é para conspirar."
Impeachment de Temer?
A pouca disposição de Temer para ter solidariedade com Dilma fica clara até mesmo quando este sofre acusações que poderiam levar a seu próprio impeachment.
O principal motivo para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acolher o pedido de impeachment contra Dilma foi a assinatura de seis decretos, entre julho e agosto de 2015, liberando o uso de 2,5 bilhões de reais sem a anuência do Congresso, o que configuraria crime de responsabilidade.
Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo publicada nesta terça-feira mostra que Temer também assinou decretos deste tipo – sete entre novembro de 2014 e julho de 2015, totalizando 10,8 bilhões de reais. A defesa do Planalto para o caso de Dilma é que a autorização do Congresso para um déficit de 120 bilhões neste ano, aprovada na semana passada, teria "legalizado" os decretos.
Temer, por sua vez, foi por outra linha. Culpou Dilma Rousseff. “Nas interinidades em que exerce a Presidência da República, o vice-presidente age apenas, formalmente, em nome da titular do cargo", disse a assessoria de Temer ao Estadão. "Ele deve assinar documentos e atos cujos prazos sejam vincendos no período em que se encontra no exercício das funções presidenciais. Ele cumpre, tão somente, as rotinas dos programas estabelecidos pela presidente em todo âmbito do governo, inclusive em relação à política econômica e aos atos de caráter fiscal e tributários”, disse Temer.
Como complemento, Temer lembrou ao jornal que o vice-presidente "não formula a política econômica ou fiscal" e "não entra no mérito das matérias objeto de decretos ou leis", cuja responsabilidade é do Ministério da Fazenda, da Casa Civil e da "chefe de governo”.
Os fatos deixam óbvio que o campo de batalha do impeachment é o PMDB. Não se sabe para onde o partido vai rumar, mas se sabe que Temer tem capacidade para ditar os rumos de alguns dos votos que Dilma pode precisar para sobreviver. Se Dilma desconfia do Temer aliado, o que dirá do que declarar hostilidade.
Abaixo, a íntegra da carta de Temer a Dilma
São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.
Senhora Presidente,
"Verba volant, scripta manent" [As palavras voam, os escritos permanecem]
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido. Isso tudo não gerou confiança em mim, Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.
3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas "desfeitas", culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta "conspiração".
5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido. Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.
8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden - com quem construí boa amizade - sem convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da "espionagem" americana, quando as conversar começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança;
9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
10. Até o programa "Uma Ponte para o Futuro", aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso. A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente,
\ L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
DO. Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Fonte: Carta Capital
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