sábado, 2 de maio de 2015

De como engolir sapos



O general Golbery do Couto e Silva, um dos pilares do regime de 1964, (Foto: Conteúdo Estadão)

Talvez Dilma Rousseff tenha aprendido a jogar, nas duras situações políticas que as circunstâncias a obrigam a enfrentar

Há um racha no Legislativo. Só aparentemente nasce da velocidade imprimida por Eduardo Cunha na Câmara e da lentidão de Renan Calheiros no Senado. O primeiro acelera votações e o segundo pisa no freio. É verdade que os dois não são tucanos. Andam, porém, a se bicar.

Ao contrário do que se diz, e do que parece, o tempo não é a razão principal desse choque entre peemedebistas. A situação delineia uma trama política da qual a presidenta é parceira. Surpresa? 

Ela mesma. Dilma não perdeu a capacidade de reagir a certas tramas e concessões desnecessárias, as ilícitas, ocorridas à margem do processo político. Mantém esse rigor e, por isso, dificulta sempre a aproximação e a intimidade dela com o mundo político. No entanto, os episódios desses quatro primeiros meses do segundo governo, na moldura de uma crise econômica, forçaram a presidenta a mudar a postura e, sem se afastar das regras republicanas, passou a respirar política.

Em palavras mais pobres e, nem por isso menos nobres, aprendeu a engolir sapos. Essa é uma arte também necessária a quem tem poder.

Dizem que o general Golbery do Couto e Silva, um dos pilares do regime de 1964, que ajudou a construir e, a seu modo, a desconstruir a ditadura, tinha sobre a mesa um bibelô. Era a réplica de um sapo. Perguntado certa vez sobre a razão de aquele objeto enfeitar o ambiente, ele teria respondido: “É um monumento ao batráquio desconhecido. Homenagem aos sapos engolidos e outros ainda a engolir”.

Existe regra na arte de engolir sapos. Ela estabelece, por exemplo, o tamanho do batráquio a ser engolido. Isso ocorre conforme o filtro de cada um. Pelo de Golbery, por exemplo, não passou o atentado do Rio Centro (RJ), em 1981. Ele pediu o boné. Pretendia a demissão do comandante do I Exército, o general Gentil Marcondes, e não foi atendido por João Figueiredo. 

Nos quatro anos do primeiro mandato, quando tudo era bonança, é indiscutível que Dilma procurou manter os aliados em segundo plano. Foi o que fez com o vice-presidente Michel Temer. Isso criou a massa de descontentamento na base aliada com repercussão na eleição presidencial de 2014. 

Dilma entendeu não haver possibilidade de saída pela esquerda. E cedeu. Convidou Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda e o vice-presidente Michel Temer para conduzir a aproximação dela com o Congresso. Errou?, Acertou? O tempo dirá.

É impossível ficar à margem do jogo político sendo peça-chave na estrutura do poder. Quem joga perde ou ganha. Na Câmara, Cunha diz que o impeachment não passa. No Senado, Renan resiste à terceirização. Cada um a seu modo. Decisões favoráveis à presidenta e ao governo dela. Dilma entregou os anéis para não perder os dedos. Talvez erre quem pensa que ela perdeu a caneta.

Edição Número 848 - Carta Capital 02 de maio de 2015


Mauricio Dias

Mauricio Dias - Jornalista, editor especial e colunista de CartaCapital.

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