Alagoas, estado onde surgiu o quilombo mais famoso do Brasil: Quilombo dos Palmares; terra onde viveu e lutou um dos ícones da resistência à escravidão no país, Zumbi. Embora marcada pela presença masculina nas lutas de vida e morte travadas no território contra a escravidão, uma tese de mestrado de um historiador alagoano buscou revelar o outro lado da resistência negra: a de mulheres escravizadas de Maceió, que em seus cotidianos usavam as mais variadas estratégias para conquistar a liberdade e, consequentemente, abalar o sistema escravagista.
O estudo Sobreviver e Resistir se converteu em livro recém-lançado em Alagoas e com data marcada para lançamento em São Paulo, no mês de janeiro. Danilo Luiz Marques percorreu documentos históricos e jornais situados entre 1849 – ano em que ocorreram muitos desembarques ilegais de navios negreiros na costa alagoana e que, segundo ele, traziam muitas africanas livres – e 1888, quando a escravidão foi abolida no Brasil.
Nesse período, Maceió tem desenvolvimento urbano e demográfico intenso, quando foi proclamada capital da província alagoana. Muitos escravizados e alforriados recorreram à cidade por enxergar melhores oportunidades de vida. Como destaca o autor, foi nessa época, também, que surgiram leis limitantes à escravidão, como a do ventre livre, de 1850, e da legalização do pecúlio (economias juntadas por escravizados em trabalhos extras), de 1871.
Danilo juntou fragmentos de documentos públicos, anúncio e matérias de jornal para tentar reconstruir as histórias das mulheres citadas na tese. “O material que encontrei é bastante lacônico, mas mesmo assim a gente consegue entrever um retalho de trajetórias de vida que demonstram como africanas livres e escravizadas conseguiam juntar dinheiro e conquistar suas alforrias, através de fugas, trabalho ao ganho [realizações de trabalhos a terceiros com parte da remuneração compartilhada com seus senhores], desvios de pequenas produções de seus senhores”, explica o historiador.
Segundo ele, a decisão por contar as histórias femininas encontradas durante a pesquisa veio da quase inexistência de estudos sobre mulheres escravizadas em Alagoas, e a recente produção brasileira – desde os anos 80 – nesse sentido. Na documentação analisada o autor também relata ter encontrado, em 80% dos casos, trajetórias de vida de mulher.
O conceito de luta cotidiana contra a escravidão também foi uma escolha consciente. “Geralmente a gente via, há uns anos, que a única forma de resistir à escravidão era com formação de quilombos e revoltas. O que alguns autores, desde os anos 80 vêm nos mostrando, é que também no dia a dia, através de pequenas ações, foi possível resistir à escravidão e desestabilizar as instituições escravistas”, justifica Danilo.
Entre os autores citados na tese, e a partir de suas próprias conclusões, o historiador buscou destacar ainda que a luta pela abolição, frequentemente reduzida aos brancos abolicionistas, foi travada pelos próprios escravizados, que tinham consciência dos diferentes meios para tentar a liberdade. Na luta pela alforria ou pela garantia da liberdade teoricamente garantida, os fragmentos de história dessas mulheres revelam artifícios usados na resistência à escravidão, algumas com sucesso, outras sem conclusão determinada.
Com informações da Agência Brasil
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